segunda-feira, 10 de outubro de 2011
Èsù- Da teoria à compreensão da prática.
Um dos principais exemplos disto está na substituição do principal símbolo do Òrìsà Èsù, o Ogó, bastão em formato de falo(pênis), pela chave, um símbolo “ocidentalmente aceitável”. Vemos porém que Èsù / Bará não é simplesmente um “abridor de portas”. Isso designa apenas uma de suas várias funções dentro da crença yorubá. Ele é aquele que ultrapassa todas as portas, todos os limites, dentre todos os “mundos”, os espaços do Òrun e do Àiyé. Tem esse poder para cumprir sua função de comunicador universal, pois é ele quem estabelece a comunicação entre o ser humano e Olódùmarè (Deus Supremo), entre ser humano e Òrìsàs(divindades), entre o ser humano e demais entidades, entre Òrìsàs e Olódùmarè inclusive. Bem sabemos que não há como praticar qualquer ritual religioso ou oferendar o que quer que seja sem antes agradar Èsù. Não é apenas uma coincidência aleatória ele ser o 1° a ser chamado e agradado em qualquer cerimônia. Sem ele não há comunicação! Então tudo o que se fizer sem Èsù não alcançará sua finalidade, não chegará a quem se destinar, não haverão Òrìsàs “comendo”, dançando, recebendo oferendas e sacrifícios... Eles nem saberão do que está acontecendo, pois sem Èsù não existe o elo entre o material e o espiritual.
A partir deste princípio, podemos perceber o porquê da necessidade individual de cada ser iniciado ter assentado seu Èsù individual, o porquê de cada Òrìsà ter o seu Èsù, responsável por “trabalhar” para ele. Caso não haja o Èsù ,ele(o Òrìsà) não receberá suas oferendas e sacrifícios. Assim como nós, seres humanos, para estarmos vivos, necessitamos dessa ligação entre o corpo material(ara), a cabeça(orí), a energia vital(èémí), espírito/alma(Òjììji). E é Èsù quem estabelece esse elo. Não é por acaso que quando alguém falece no mundo material usa-se a expressão “Bará abandonou o corpo”, assim como não é por acaso que o 1° passo do ritual de desligamento é o “despacho” do(s) Bará(s) pessoais da pessoa em questão. Obará é um dos títulos do Òrìsà Èsù, que significa “Rei do Corpo” (Obá: rei; Ara: corpo material).
O Ogó simboliza bem mais do que apenas masculinidade. Representa fecundação, sem a qual não existe vida, transformação, abertura, multiplicação, continuidade, disseminação do àse. Também é o bastão que permite a Èsù locomover-se de um lugar a outro em milésimos de segundos. Este símbolo, julgado na ótica cristã-ocidental como símbolo de demonizarão e promiscuidade, é uma exaltação da vida em sua plenitude, do àse que se transforma e se renova, dando continuidade aos milagres da vida e da natureza, exaltação da imensurável sabedoria de Olódùmarè.
Èsù também é conhecido como “provocador de situações”, aquele que “troca a lua pelo sol e o sol pela lua”, que brinca com a ordem natural das coisas. Quantas vezes falamos ou ouvimos dizer: “Quando resolvo um problema aparece outro!” ou “Quando acerto uma área de minha vida, aparece problema em outra!”. É Èsù! Aquele que está sempre nos colocando um novo desafio no caminho, um novo problema para resolver, muitas vezes sendo chamado de desordeiro e provocador de problemas. Porém, se olharmos através da perspectiva de que àse é força vital em movimento, em contínua transformação e renovação, a estagnação é que pode ser encarada como “contra-àse”, como desordem, desequilíbrio. Então Èsù ao invés de ser o desordeiro, surge como quem coloca as coisas na ordem natural de transformação, mutação e movimento. É aquele que traz à nossa vida os desafios, oportunidades de crescimento, mudança, renovação e superação.
Èsù ainda é conhecido como o “fiscal do àse”, o responsável por premiar quem cumpre suas obrigações, bem como por castigar os que as deixam de lado. Através da crença da qual a oferenda é a restituição ritualística de parte do que consumimos, que nos é dado pela natureza, pelos Òrìsàs, por Olódùmarè, e a maneira de demonstrarmos gratidão e reconhecimento de que tudo parte desse Poder, inclusive nós mesmos, nossos corpos, nossa energia vital, nosso orí, nossa alma; constitui uma obrigação do restituir ritualisticamente o que nos é dado por Olódùmarè, para garantirmos a continuidade da vida e das bênçãos que recebemos dos Òrìsàs e da natureza (ver "Por que fazer oferendas e sacrifícios?_ A ida de Èsù e Òsétùwá ao palácio de Olódùmarè "). Èsù é responsável em garantir que façamos nossa parte para manter o equilíbrio do sistema. E esta regra não aplica-se apenas aos seres humanos, pois também as próprias divindades estão a mercê deste poder. A frase "Èsù Òtá Òrìsà" (Èsù inimigo de Òrìsà) faz alusão do papel de Èsù como fiscal inclusive das obras dos Òrìsàs, devendo comunicar qualquer ato a Olódùmarè. De tudo deve-se prestar contas perante o Poder Supremo, e a autonomia nesse campo de visão é sempre relativa. A toda ação corresponde uma reação, essa é uma das leis da natureza, uma das leis divinas. E dela nem mesmo as divindades escapam.
Èsù longe de ser um poder negativo, como muitas vezes encarado inclusive por adeptos da religião dos Òrìsàs, é um Òrìsà primordial para manutenção da vida e do sistema no qual ela acontece. Um dos Òrìsàs mais próximos a Olòdùmarè e seu fiscal perante o homem e perante as divindades.
É o comunicador, o multiplicador, o transformador, o fecundador, o desafiador, o elo; energia dinâmica inesgotável como o próprio àse!
Èsù fi ire bò wà o.
Èsù faça nossas vidas plenas de coisas boas!
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