quinta-feira, 1 de abril de 2010

Candomblé


O CANDOMBLE
No começo não havia separação entre o Orum, o Céu dos orixás, e o Aiê, a Terra dos humanos. Homens e divindades iam e vinham, coabitando e dividindo vidas e aventuras.Conta-se que, quando o Orum fazia limite com o Aiê, um ser humano tocou o Orum com as mãos sujas.O céu imaculado do Orixá fora conspurcado.O branco imaculado de Obatalá se perdera.Oxalá foi reclamar a Olorum.Olorum, Senhor do Céu, Deus Supremo, irado com a sujeira, o desperdício e a displicência dos mortais, soprou enfurecido seu sopro divino e separou para sempre o Céu da Terra.Assim, o Orum separou-se do mundo dos homens e nenhum homem poderia ir ao Orum e retornar de lá com vida.E os orixás também não podiam vir à Terra com seus corpos.Agora havia o mundo dos homens e o dos orixás, separados.Isoladas dos humanos habitantes do Aiê, as divindades entristeceram.Os orixás tinham saudades de suas peripécias entre os humanos e andavam tristes e amuados.Foram queixar-se com Olodumare, que acabou consentindo que os orixás pudessem vez por outra retornar à Terra.Para isso, entretanto, teriam que tomar o corpo material de seus devotos.Foi a condição imposta por Olodumare.Oxum, que antes gostava de vir à Terra brincar com as mulheres, dividindo com elas sua formosura e vaidade, ensinando-lhes feitiços de adorável sedução e irresistível encanto, recebeu de Olorum um novo encargo: preparar os mortais para receberem em seus corpos os orixás.Oxum fez oferendas a Exu para propiciar sua delicada missão.De seu sucesso dependia a alegria dos seus irmãos e amigos orixás.Veio ao Aiê e juntou as mulheres à sua volta, banhou seus corpos com ervas preciosas, cortou seus cabelos, raspou suas cabeças, pintou seus corpos.Pintou suas cabeças com pintinhas brancas, como as pintas das penas da conquém, como as penas da galinha-d’angola.Vestiu-as com belíssimos panos e fartos laços, enfeitou-as com jóias e coroas.O ori, a cabeça, ela adornou ainda com a pena ecodidé, pluma vermelha, rara e misteriosa do papagaio-da-costa.Nas mãos as fe.O ori, a cabeça, ela adornou ainda com a pena ecodidé, pluma vermelha, rara e misteriosa do papagaio-da-costa.Nas mãos as fez levar abebés, espadas, cetros, e nos pulsos, dúzias de dourados indés.O colo cobriu com voltas e voltas de coloridas contas e múltiplas fieiras de búzios, cerâmicas e corais.Na cabeça pôs um cone feito de manteiga de ori, finas ervas e obi mascado, com todo condimento de que gostam os orixás.Esse oxo atrairia o orixá ao ori da iniciada e o orixá não tinha como se enganar em seu retorno ao Aiê.Finalmente as pequenas esposas estavam feitas, estavam prontas, e estavam odara.As iaôs eram as noivas mais bonitas que a vaidade de Oxum conseguia imaginar.Estavam prontas para os deuses.Os orixás agora tinham seus cavalos, podiam retornar com segurança ao Aiê, podiam cavalgar o corpo das devotas.Os humanos faziam oferendas aos orixás, convidando-os à Terra, aos corpos das iaôs. Então os orixás vinham e tomavam seus cavalos.E, enquanto os homens tocavam seus tambores, vibrando os batás e agogôs, soando os xequerês e adjás, enquanto os homens cantavam e davam vivas e aplaudiam, convidando todos os humanos iniciados para a roda do xirê, os orixás dançavam e dançavam e dançavam.Os orixás podiam de novo conviver com os mortais.Os orixás estavam felizes.Na roda das feitas, no corpo das iaôs, eles dançavam e dançavam e dançavam.Estava inventado o candomblé.

Candomblé: festa, tradição e alegria
Sempre que passamos numa rua e ouvimos aquele som que logo passa a ritmar a batida do nosso coração, imediatamente imaginamos que em algum lugar daquelas ruazinhas estão cantando, tocando e dançando um Xirê, está a acontecer uma festa de Candomblé e não precisa ser do santo pra identificar, basta ouvir e sentir.E é neste momento, neste exato momento, que não conseguimos nos controlar, afinal, quem controla o coração? Ainda mais um coração que bate de acordo como os movimentos feitos pelos sensíveis tatos dos ogãs e o coro forte dos tambores que emitem o som da nossa alma, o som da emoção. E muitas vezes, meus irmãos, confesso que me pego às lágrimas de tanto que me sinto envolvida nesse mundo de tambores e magia, como se meu coração só conseguisse bater no ritmo eloqüente dos orixás. Esse efeito mágico é diferente de tudo, pois é causado pela minha descendência, é uma parte minha que veio da Velha Mãe África.Um dos legados que os nossos antepassados nos deixaram e que seguimos a risca é a festa: festejamos a natureza, festejamos o nascimento, festejamos os orixás e quem vai a uma roda de Candomblé pela primeira vez e apaixona-se, não a deixa nunca mais. Pensando bem, é um toque que define o nosso sentimento pelo Candomblé, pois é num toque que sentimos todas as emoções possíveis e imagináveis de como quando ouvimos uma cantiga que nos toca em especial, mais profundamente… É nele que passamos a conhecer os orixás, sentir seu abraço, sua energia, passamos em fim a conhecer nós mesmos.O toque, na maioria das vezes é um momento de alívio e agradecimento pela obrigação precedida, é o momento de mostrar à sociedade o noviço, o Yao que acaba de nascer novamente, desta vez para seu orixá, e muitas vezes também é o momento de mostrar os feitos dos próprios orixás, lembrar passagens históricas ocorridas entre eles com danças, passos compassados e muita alegria.

É uma tradição que atravessou o Atlântico, venceu todas as barreiras de preconceito e vai a se disseminar e unir as antigas e novas gerações. Reforçando assim os laços de amor e fraternidade entre irmãos e construindo um alicerce ainda maior para os verdadeiros conceitos e a verdadeira magia do Candomblé, elem de aflorar nossa sensibilidade, pois nascemos para sentir, somos seres sensíveis por natureza.Deparamo-nos com um super pôr do sol e paramos para observar aquela imensidão rósea; envolvemos-nos com absoluta facilidade com o movimento sereno ou às vezes assustador das ondas do mar; deixamos de ouvir até os nossos pensamentos quando ouvimos o barulho de uma cachoeira. E ficamos extasiados com a imensidão da água que cai do céu, enquanto os trovões e os raios fazem um show à parte de imagem e som, som voraz e que sempre me lembra justiça e proteção, proteção de pai. É nessa sintonia perfeita de som e luz que me perco e percebo o quanto a natureza mora em mim, mora dentro de nós.E é essa natureza que fala mais alto quando escutamos o som dos tambores, nos envolvemos com o som divertido e frenético dos abes (instrumento à maneira de um chocalho, formado por uma cabaça e uma malha de contas) e observamos nitidamente o som preciso e decisivo do agogô (instrumento formado por um sino ou mais presos a uma base e, sendo tocado por uma baqueta de madeira).Não há como fugir meus irmãos, não há como fugir dessa magia sem igual, não há como não se envolver no bailar das pessoas diante da roda. Uma roda que demonstra aos mais atentos, responsabilidade, tradição e muita alegria, alegria em estar adorando àqueles aos quais descendemos, amamos e que vivem dentro de nós, nos movendo e nos mostrando o caminho melhor a ser seguido nessa batalha cotidiana em que vivemos, onde não lembra a nossa sociedade ancestral. Mas é aí que entra a sintonia perfeita: ao sairmos do toque já chegado ao fim, estamos com a fé renovada. São as forças da natureza, os nossos orixás que nos movem para as nossas vidas, dessa vez ainda mais .

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